O mistério da origem da vida

BIOSFERA OCULTA


Muitos cientistas já desistiram da ideia de que a vida é exclusividade terrestre. O motivo é simples: ainda nem conseguimos identificar todos os organismos existentes aqui - e muitas dessas formas vivas hoje desconhecidas podem estar em outros cantos do universo


Michele Rasotto/Shutterstock
Uma das mais interessantes teorias diz que a vida surgiu fora da Terra, em Marte ou outro planeta mais distante. Foi trazida aqui por cometas errantes.

Como a vida surgiu na Terra? Esse continua a ser um dos grandes mistérios da biologia. Sabe-se apenas a data aproximada em que isso ocorreu: há cerca de 3,5 bilhões de anos. Tudo o mais são especulações.

Nos anos 1970, a maioria dos biólogos acreditava que a vida era um evento químico tão improvável que não ocorreria uma segunda vez no universo. Décadas depois, em 1995, o belga Christian de Duve, Prêmio Nobel de Medicina em 1974, classificou a vida como "imperativo cósmico" que deveria ter surgido em todo planeta semelhante à Terra. Por esse determinismo biológico, "a vida se inscreve nas leis da natureza". Comprovar essa teoria exige encontrar traços dela em outro planeta ou mesmo na Terra - as condições aqui existentes propícias ao surgimento da vida até poderiam ter sido aproveitadas diversas vezes. A confirmação depende de que se encontrem organismos diferentes de todas as criaturas vivas conhecidas.

Formas de vida alternativas seriam capazes de ter se desenvolvido e desaparecido, deixando registros geológicos de sua existência. Um metabolismo diferente do que conhecemos, por exemplo, poderia alterar rochas ou formar depósitos minerais de um modo inexplicável para a biologia de organismos conhecidos. Moléculas orgânicas características de outras formas de vida seriam também guardadas em antigos microfósseis.

Outra teoria propõe que formas de vida alternativa teriam sobrevivido e sempre estariam presentes no meio ambiente, constituindo um tipo de "biosfera da sombra". Esses organismos ainda não teriam sido encontrados simplesmente porque os biólogos só catalogaram uma ínfima fração de todos os micróbios observados. Mas tal identificação não promete ser fácil. Requer análise de sequência genética para determinar o lugar do micróbio na árvore da vida que agrupa todas as criaturas conhecidas. Deve-se considerar ainda que todos os organismos estudados em detalhe até hoje comungam de uma mesma bioquímica e de um código genético quase idêntico. Os métodos usados para estudá-los detectam a vida tal como a conhecemos. Seriam necessárias outras técnicas para descobrir uma bioquímica diferente. Até lá, uma vida desse tipo, que se limite ao reino microbiano, provavelmente não será notada.

Não será necessariamente mais fácil achar formas de vida alternativas integradas à biosfera conhecida. Sobretudo se forem micróbios associados a outros, mais familiares, já que a maioria dos microrganismos se apresenta sob a forma de pequenas esferas ou bastonetes. Mas uma bioquímica diferente, com sinais característicos, pode desmascará-las.

Muitas moléculas biológicas não coincidem com sua imagem num espelho, mesmo sendo constituídas dos mesmos átomos. Ambas só diferem porque, num espaço tridimensional, uma aponta para a direita e outra para a esquerda, como se fossem nossas mãos espalmadas. Essa característica chama-se quiralidade.

Nos abismos submarinos, fontes termais de origem vulcânica criam microambientes ricos de vida muito adaptada e que não poderia existir em nenhum outro lugar

Para se organizar em estruturas mais complexas, as moléculas devem ter formas compatíveis. Todos os aminoácidos que constituem as proteínas, por exemplo, apresentam uma curva para a esquerda; no caso dos açúcares, ela vai para a direita. Imaginando- se que a vida começaria a partir do nada, as moléculas teriam 50% de chances de ser da forma inversa. Nesse caso, a vida seria bioquimicamente quase igual à que se conhece. As duas formas não seriam concorrentes e se ignorariam, porque suas moléculas não seriam intercambiáveis. Pode-se identificar uma vida desse tipo preparando- se um meio de cultura com moléculas- espelho daquelas que se usam habitualmente. Ali, um organismo com quiralidade invertida se sentiria em seu meio, mas um organismo vivo clássico não sobreviveria.

Outra vida de sombra pode se distinguir por apresentar um conjunto diferente de aminoácidos ou de nucleotídeos (elementos do ácido desoxirribonucleico, ou DNA, na sigla em inglês). Todos os organismos conhecidos utilizam os mesmos nucleotídeos (adenina, citosina, guanina e tiamina) para guardar informações e os mesmos 20 aminoácidos para construir proteínas. Por que nos limitarmos aos 20 aminoácidos conhecidos? O meteorito Murchison, que caiu na Austrália em 1969, continha numerosos aminoácidos bem conhecidos e outros nem tanto, como a pseudoleucina.

Alguns aminoácidos exóticos poderão ser indícios de formas de vida alternativas. Os exobiologistas têm esperança nos resultados obtidos no domínio emergente da vida sintética ou artificial. Os bioquímicos ensaiam construir novos organismos usando aminoácidos adicionais ou alterando o código genético com o acréscimo de nucleotídeos. A cada micróbio descoberto, instrumentos de trabalho normalmente usados para analisar proteínas revelariam os aminoácidos presentes e detectariam sinais estranhos que fariam do microrganismo um candidato à outra vida possível.

Os biólogos Russell Vreeland (esquerda) e William Rosenzweig examinam o cristal de sal que abriga em seu interior bactérias de 250 milhões de anos (no centro da ampliação por microscópio). Elas são as mais antigas formas de vida já encontradas.

Se uma dessas estratégias revelar um organismo exótico, como distinguir uma verdadeira forma de vida alternativa de um novo domínio da vida conhecida? O precursor mais rudimentar poderia apresentar uma série de diferentes combinações, códigos que hoje não seriam formas de vida alternativa, mas fósseis vivos. Outra possibilidade é a de que os micróbios usassem o ácido ribonucleico (RNA) em vez do DNA ou, ainda, um elemento que substituísse a água, pois a vida, como a conhecemos, é indissociável da água em estado líquido.

1 Parte Fonte Revista Planeta

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